domingo, 20 de julho de 2014

C* de Legal!



Finalmente as férias de julho! Esta é uma das grandes alegrias de ser professora:  se livrar das pestes dos alunos no meio do ano e aproveitar dias de puro ócio sem culpa.

Quando comecei a dar aulas, no ano 2000, sempre trabalhei com executivos em empresas, que são alunos interessados e interessantíssimos, pois se esforçam para aprender o máximo que puderem e levam seu trabalho a outro nível, ainda mais se você criar oportunidades que os permitam se sentir adolescentes para se desligarem da rotina estressante de trabalho. Mas desde 2010 tenho dado aulas exclusivamente para adolescentes e, olha, é um trabalho agridoce. É doce quando os adolescentes são legais, são seres incríveis, aprendemos e compartilhamos coisas que ficam tatuadas na memória; e é amargo porque quando querem se transformam nas pessoas mais abomináveis que sugam toda sua luz e te fazem querer morrer. Pode me criticar o quanto quiser por admitir isso, mas não é mentira!

No meio disso tudo há os momentos que nos espantam e explico o uso da palavra “espantar”. Ontem faleceu Rubem Alves, escritor e educador, e das inúmeras coisas que ele deixou em seu legado a que mais me marcou foi o termo “professor de espantos”, que ele explica neste vídeo, que é o professor que cria a curiosidade de pensar em seus alunos e o faz com muita alegria. Desde que vi esse vídeo faço de tudo para espantar meus pequenos súditos e elevar seus espíritos de modo a tornar os momentos de aprendizado em especiais, para que nunca se esqueçam da lição partilhada! Mas o  melhor disso é que os alunos nos espantam também! Há os espantos desejados e esperados, quando produzem adequadamente o que foi dividido com eles, e há os momentos quando eles nos pegam de calças curtas, como a situação que vos narrarei. Como eu me divirto com estas coisas!

Dia desses, pouco antes de encerramos o semestre, estava no meio de uma aula com uma turma de pré-avançado, todos adolescentes infernais super queridos e amados (de fato) e a lição do livro falava sobre o uso da linguagem corporal, gestos repetidos internacionalmente  que utilizamos no dia-a-dia como, por exemplo, as mãos em forma de T para pedir tempo, fazer um V com os dedos indicador e médio para simbolizar paz e amor, dentre muitos outros, inclusive esse que estou fazendo na foto acima. Quando perguntei o que ele significava eu esperava que algum dos meus diabinhos respondesse "OK", até que um aluno me respondeu sem qualquer cerimônia e com muita firmeza: “Cu”. Parei o que estava fazendo e olhei para ele bruscamente e gritei “WHAT?!”, e comecei a entrar em pânico quando outros alunos começaram a fazer coro ao primeiro infeliz, “Yeah, Teacher, cu”... corri os olhos pela sala em busca de alguma luz, pois eu começava a entrar num vácuo existencial e profissional... parei de falar em inglês e perguntei se eles estavam brincando e fazendo hora com a minha cara e aquele primeiro ainda enfatizou, “É cu de legal, Teacher!”. Eu continuava passada com aquilo e guinchei, “LEGAL?! Como assim??? Se te pergunto ‘Como foi a festa ontem?’ você me responde que foi um cu porque estava muito legal???”, e eles que começaram a me olhar confusos com o meu espanto e tentavam me explicar que era “cu de legal, bom, ‘nice’”.

Eu encostei no canto da parede e me agachei abraçando o manual do professor querendo morrer, como expliquei acima. Eu realmente fiz isso num ato de desespero. Não conseguia entender o parâmetro daquele bando de vândalos que zombavam do idioma e do meu trabalho e também da confiança que lhes dera... até que um iluminado se empenhou em me tirar do umbral que eu adentrara e me olhou nos olhos, “Teacher, você não está entendendo, não é ‘cu’, é ‘cúulll’”... ainda fiquei olhando para este resgatador de almas por alguns segundos tentando processar seu esclarecimento e quando finalmente entendi comecei a rir e da posição de cócoras que me encontrava me larguei no chão e tive um ataque de risos, daqueles que se chora e a barriga dói! Desde o início eles estavam se referindo à palavra “cool” que, sim, significa “legal, bacana, maneiro”, e felizmente eles estavam certos desde o início, mas pela preguiça de aprimorarem suas pronúncias cometeram esse ato falho e fizeram a Gretchen.

É claro que depois disso eu perdi o controle da aula e entramos todo em estado de graça, rimos muito da situação, mas aproveitei o ensejo para dar uma esculhambação na pobreza da pronúncia, que isso era obrigação deles durante o curso e alertei que eles recebem notas por isso e dependendo de onde estivessem poderiam se constranger publicamente. No final, todo esse imbróglio serviu como ótima lição e ficamos todos positivamente espantados!

Você que estiver lendo, sempre se lembre disso ao se comunicar em outro idioma: aprimorar a pronúncia é muito importante, mas faça isso com leveza sem a cobrança de falar igual a nativos do idioma, porque isso só eles fazem mesmo. O que podemos fazer é nos dedicarmos para falar o melhor possível dentro das nossas habilidades e até onde o nosso próprio idioma permitir  também, caso contrário, aí sim as coisas podem ficar um cu!! HAHAHA!!!!

Eu poderia falar um monte de coisas sobre esse assunto, mas aí é falar do meu trabalho e eu estou de férias!!! Em agosto, quem sabe, porque agora eu vou caminhar na Beira-mar Norte!

Beijundas,

Flávia Criola

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